sábado, 31 de outubro de 2009

Tragédia Matemática

TRAGÉDIA MATEMÁTICA


Nas folhas tantas de um livro matemático, um Quociente apaixonou-se doidamente por uma incógnita. Ele, o Quociente, produto notável de uma família de importantíssimo polinômio e ela simples incógnita de uma mesquinha equação literal. Mas, como todos sabem, o amor vai do mais infinito ao menos infinito, o amor não tem limites nem derivadas.
Foi uma maravilhosa noite de primeiro diedro de setembro que ele a encontrou. Ela, numa secção circular no meio de inequações, punha-se em evidência no seu belo vestido de “linha de trapézio”.
Ele a olhou do vértice à base, olhou-a de todos os ângulos, agudos e obtusos, uma figura ímpar, olhar rombóides, boca trapezóide e corpo ortogonal.
- Quem és tu? Perguntou com ânsia radical. Ela, com expressão algébrica de quem ama, respondeu decentemente! – Sou a raiz quadrada da soma dos quadrados dos catetos, mas pode chamar-me de Hipotenuza.
Fez de sua vida uma paralela à dela, até que se encontraram no infinito. E se amaram ao quadrado da velocidade da luz numa sexta potência. Trocando ao setor do momento da paixão, retas, curvas e linhas cosenoidais, nos jardins da quarta dimensão. Ele a amava e a recíproca era verdadeira. E por um teorema anterior, concluímos que eles se adoravam numa proporção direta em todo intervalo aberto da vida.
Finalmente resolveram se casar, ou seja, formar um lar, ou mais que um lar, uma perpendicuLAR. Convidaram para padrinhos o poliedro e a bissetriz e traçaram planos, equações e diagramas para o futuro, sonhando com a felicidade integral e diferencial.
Três quadrantes depois, quando ela estava com todas as coordenadas definidas, eles se casaram e tiveram uma secante e um diametrozinho muito engraçadinhos.
Depois de casados, quando mais se conheciam, descobriram que eram primos entre si. Ela já havia sofrido quatro operações e algumas simplificações, mas ainda continuava bela e esbelta. O amor entre eles crescia em P. G.
Eram felizes e tudo corria às mil maravilhas, até que um dia tudo virou monotonia. Foi aí que surgiu outro, sim, ele, o Máximo Divisor Comum (MDC) freqüentador de círculos concêntricos viciosos. Ofereceu a ela uma grandeza absoluta e reduziu-a a simples denominador comum.
Ele, o Quociente, consciente dessa regra de três viu, que não formava mais um todo, uma unidade. Era o vértice do tal triângulo, também chamado amoroso. E deste problema ela era simples e a mais ordinária das frações.
Foi então que o Quociente resolveu determinar um ponto comum de descontinuidade na vida deles, o máximo e dela o mínimo.
Numa noite de primeiro semiperíodo, quando encontrou os amantes em colóquio amoroso, ele em termo menor e ela em combinação linear transformou-se num ponto de acumulação de raiva e vingança.
Pegou 45, deu um giro de 20º e aplicou a solução trivial. Foi essa condição necessária e suficiente para que os dois amantes passassem para o espaço imaginário e ele, o Quociente, fosse para o intervalo fechado de onde só se via a luz solar através de pequeninas malhas quadráticas, onde passou o resto da sua existência desgraçada e melancólica.
(Millôr Fernandes)